"Eu amo a minha liberdade, amo a
honestidade das pessoas, não a considero uma virtude, mas sim, um
compromisso. Gosto de ter amigos, ainda que poucos, porém pessoas raras,
incomuns, loucas de preferência (...) Acredito no amor universal e nas
pessoas que o exercitam, as demais ignoro e lamento!"
Clarice Lispector - Água Viva
ESSE MARAVILHOSO BRADO DE ALELUIA...!
E com uma alegria tão profunda. É uma tal
aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo
humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque
ninguém me prende mais. Continuo com capacidade de raciocínio - já
estudei matemática que é a loucura do raciocínio -quero me alimentar
diretamente da placenta. Tenho um pouco de medo: medo ainda de me
entregar pois o próximo instante é o desconhecido. O próximo instante é
feito por mim? Fazemo-lo juntos com a respiração. E com uma desenvoltura
de toureiro na arena.
Eu te digo: estou tentando captar a quarta
dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora
tornou-se um novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um
instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa. Esses instantes
que decorrem no ar que respiro: em fogos de artifício eles espocam mudos
no espaço. Quero possuir os átomos do tempo. E quero capturar o
presente que pela sua própria natureza me é interdito: o presente me
foge, a atualidade me escapa, a atualidade sou eu sempre no já. Só no
ato do amor - pela límpida abstração de estrela do que se sente—capta-se
a incógnita do instante que é duramente cristalina e vibrante no ar e a
vida é esse instante incontável, maior que o acontecimento em si: no
amor o instante de impessoal jóia refulge no ar, glória estranha de
corpo, matéria sensibilizada pelo arrepio dos instantes - e o que se
sente é ao mesmo tempo que imaterial tão objetivo que acontece como fora
do corpo, faiscante no alto, alegria, alegria é matéria de tempo e é
por excelência o instante. E no instante está o é dele mesmo. Quero
captar o meu é. E canto aleluia para o ar assim como faz o pássaro. E
meu canto é de ninguém. Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que
não se siga uma aleluia.
Meu tema é o instante? meu tema de vida. Procuro estar a par dele, divido-me milhares de vezes em tantas vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários os momentos - só me comprometo com vida que nasça com o tempo e com ele cresça: só no tempo há espaço para mim.
Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor-a-ti é abstrato como o instante. é também com o corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo-a-corpo comigo mesma. Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a me ler perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras - e é novo para mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora
Meu tema é o instante? meu tema de vida. Procuro estar a par dele, divido-me milhares de vezes em tantas vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários os momentos - só me comprometo com vida que nasça com o tempo e com ele cresça: só no tempo há espaço para mim.
Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor-a-ti é abstrato como o instante. é também com o corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo-a-corpo comigo mesma. Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a me ler perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras - e é novo para mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora
“Mas agora estou interessada pelo mistério do espelho. Procuro um meio de pintá-lo ou falar dele com a palavra. Mas o que é um espelho? Não existe a palavra espelho, só existem espelhos, pois um único é uma infinidade de espelhos.”
“E mal posso falar, de tanto silêncio desdobrado em outros.”
“Espelho? Esse vazio cristalizado que tem dentro de si espaço para se ir para sempre em frente sem parar: pois espelho é o espaço mais fundo que existe. E é coisa mágica: quem tem um pedaço quebrado já poderia ir com ele meditar no deserto. Ver-se a si mesmo é extraordinário. Como um gato de dorso arrepiado, arrepio-me diante de mim. No deserto também voltaria vazia, iluminada e translúcida, e com o mesmo silêncio vibrante de um espelho.”
“Espelho é luz. Um pedaço mínimo de espelho é sempre um espelhotodo.Tire-se a sua moldura ou a linha de seu recortado, e ele cresce assimcomo água se derrama.”
“O que é um espelho? É o único material inventado que é natural. Quem olha um espelho, quem consegue vê-lo sem se ver, quem entende que a sua profundidade consiste em ele ser vazio, quem caminha para dentro de seu espaço transparente sem deixar nele o vestígio da própria imagem - esse alguém então percebeu o seu mistério de coisa.”
“Não, eu não descrevi o espelho - eu fui ele. E as palavras são elas mesmas, sem tom de discurso.”
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